30 janeiro, 2010

Do Lobo ao Cão




A descoberta de pegadas e ossadas de lobo nos territórios ocupados pelo homem na Europa ascende a 40 000 anos, se bem que a sua utilização real não tenha sido autenticada pelo Homo sapiens nos frescos pré-históricos.


Nesta época, o homem não era ainda sedentário e alimentava-se com os produtos das suas caçadas, cujas migrações acompanhava. As mudanças climatéricas – o final de um período glaciar e o aquecimento brutal da atmosfera – ocorridas há, sensivelmente, 10 000 anos durante a passagem do Pleistoceno para o Holoceno, levaram à substituição das tundras pelas florestas e, consequentemente, à diminuição de mamutes e bisontes, cujo lugar foi ocupado por veados e javalis. Esta redução da caça tradicional impeliu o Homem a inventar novas armas e a adaptar as suas técnicas de caça. Nesta fase, tinham de competir com os lobos que se alimentavam do mesmo tipo de presas e utilizavam as mesmas técnicas de caça em matilha com recurso a "batedores".


Como tal, o homem teve, naturalmente, de procurar converter o lobo num aliado de caça, tentando, pela primeira vez, domesticar um animal muito antes de ele próprio se tornar sedentário e de se dedicar à criação de animais. Assim, o cão primitivo, era indiscutivelmente, um cão de caça e não um cão pastor.

Da familiarização do lobo até à sua domesticação

A domesticação do lobo acompanha a passagem do homem do período "predatório" para o período "produtivo". Iniciou-se, certamente, por meio da familiarização de alguns espécimes. Mesmo que essa tarefa de familiarização tivesse de ser retomada a partir da estaca zero por ocasião da morte de cada animal, não deixa de constituir a primeira etapa indispensável em termos da domesticação de uma espécie, que inclui, numa segunda etapa, o controlo da sua reprodução.


A domesticação do lobo começou, sem dúvida, no Oriente, mas não ocorreu apenas num único local, nem do dia para a noite, se tivermos em conta os numerosos centros de domesticação descobertos nos pólos de escavação arqueológica.


Tiveram de ser efectuadas inúmeras tentativas em diferentes pontos do globo em lobos jovens originários de grupos distintos para se conseguir uma impregnação irreversível ao homem, durante o período néo-natal, e de seguida a rejeição dos seus congéneres, característica do sucesso da domesticação. Este sucesso foi indiscutivelmente favorecido pela aptidão natural dos lobinhos para se submeterem às regras hierárquicas da alcateia. Muito embora algumas fêmeas, ao atingir a idade adulta, possam, eventualmente, ter sido fecundadas por lobos selvagens, os produtos desses acasalamentos, criados junto ao homem, foram sujeitos à mesma impregnação inter-específica, restringindo as possibilidades de regresso ao estado selvagem.

Do lobo ao cão

Tal como em qualquer domesticação, o processo de subjugação do lobo foi acompanhado de diversas modificações morfológicas e comportamentais em função da nossa própria evolução. Assim, as modificações observadas nos esqueletos testemunham uma espécie de regressão juvenil, designada por "pedomorfose", como se esses animais ao atingir a fase adulta tivessem conservado, ao longo das gerações, algumas características e comportamentos imaturos: diminuição do tamanho, redução do chanfro, acentuação do "stop", latidos, ganidos, atitudes lúdicas... que levam alguns arqueozoólogos a afirmar que o cão é um animal em vias de definição como espécie, que permaneceu no estádio da adolescência e cuja sobrevivência depende estritamente do homem.


Paradoxalmente, este fenómeno foi acompanhado por uma redução do período de crescimento, conducente ao avanço do período de puberdade, e que favorece um acesso mais precoce à reprodução, facto que explicaria a puberdade mais precoce actualmente observável nos cães de raças pequenas comparativamente às raças grandes, mesmo assim mais precoces do que a dos lobos (aproximadamente 2 anos). Paralelamente, a dentição foi-se adaptando a um regime mais omnívoro do que carnívoro, uma vez que os cães domésticos tiveram de se "contentar" com os restos alimentares dos humanos sem ter de caçar para assegurar a sua sobrevivência.


Este tipo de "degenerescência" que acompanha a domesticação verifica-se, igualmente, na maioria das espécies, como é o caso dos suínos (diminuição do focinho) ou mesmo ao nível das raposas de criação que podem adoptar, no espaço apenas de 20 gerações, comportamentos similares aos dos cães de pequeno porte. Parece, assim, que a relação doméstica vai de encontro à evolução natural – a menos que se considere o homem como parte integrante da natureza constituindo, também, uma técnica de selecção


As tentativas de domesticação falhadas não são raras ao longo da história do homem. Assim, os processos de domesticação conduzidos pelos antigos egípcios em hienas, gazelas, felinos selvagens ou raposas, na melhor das hipóteses, só se saldaram por êxitos em termos da familiarização de um número reduzido de espécimes. Mais recentemente o mesmo tipo de ensaios realizados com dingos selvagens também não foi bem sucedido. Até mesmo a domesticação do gato, por vezes e sob inúmeros aspectos, pode afigurar-se incompleta...

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