30 janeiro, 2010

O Simbolismo do Gato através dos tempos


Se persistem algumas dúvidas quanto à data da aparição do Gato no Egipto, supõe-se que, por volta do ano 4 000 A.C., tenha sido domesticado pelos egípcios e convertido em caçador, em pescador e, especialmente, em rateiro, visto que os ratos se tinham tornado numa verdadeira praga para as colheitas. Esta função permitiu ao gato conquistar o respeito e a admiração passando, finalmente, a ser um deus tutelar da família.


O gato ascende, assim, ao nível de Totem (Myeo). Entrou no panteão dos deuses egípcios, primeiro com as feições do Deus Rá (o Sol), que todas as manhãs matava Apopis, a serpente deusa da Noite. Representou, ainda, Nafdet, a deusa destruidora de serpentes. Durante a XXII» dinastia, em Bubastis, o gato chegou mesmo a substituir a leoa nas suas funções de guardiã do Templo sagrado, por intermédio de Bastet, a deusa do amor. Também denominada Bast ou Pacht, esta deusa possuía cabeça de gata e era o símbolo da feminilidade, da flexibilidade, da sensualidade e da maternidade. Os sacerdotes da deusa Bastet observavam constantemente os mínimos gestos dos gatos do gatil sagrado, os quais eram interpretados como augúrios. Quando morriam, estes gatos eram embalsamados. No século XIX, foram descobertas centenas de milhares de múmias. Infelizmente, estas múmias não despertaram grande interesse e, como tal, acabaram por ser vendidas como fertilizante.


Um homem que, acidentalmente, matasse um gato estava sujeito à pena de morte. Contrariamente às crenças populares, os gatos eram mortos frequentemente. Contudo, esta tarefa estava reservada aos sacerdotes e aos trabalhadores dos gatis oficiais. Tratava-se, certamente, de uma forma não só de seleccionar e de impedir a superpopulação, mas, sobretudo, de oferecer um tributo à deusa.


De igual forma, Osíris, o deus das colheitas que recordava o Sol, também foi simbolizado pelo gato. Assim, o gato tornou-se simultaneamente símbolo lunar e solar. Hérodoto e Plutarco propuseram algumas explicações: as variação da pupila do gato estavam relacionadas com as proporções da altura do sol; o amor da gata pela lua; a sua actividade nocturna; os seus olhos fosforescentes à noite e a variação do diâmetro das pupilas recordavam, igualmente, as fases da lua. Foi, sobretudo, o símbolo lunar que perdurou através dos tempos.


O gato assumira um lugar de tal forma importante no seio da família que, por ocasião da sua morte, todos os membros rapavam as sobrancelhas em sinal de luto. Em caso de incêndio, era mais importante tentar salvar os gatos do que os humanos. Se não o conseguissem fazer, cobriam-se com as cinzas destes animais e desfilavam pelas ruas torturando-se.


O rei persa Cambises II ganhou a batalha de Pelusa porque os seus soldados empunhavam escudos aos quais tinham amarrado gatos. Como não queriam ferir os animais, os egípcios renderam-se.


As festas mais importantes, as Bubastidas, ti-nham lugar durante o segundo mês da estação das cheias. homens e mulheres desciam o Nilo dançando, rindo e cantando ao som de música. O Templo era, então, aberto a todos e a deusa era levada em procissão. Tratava-se, efectivamente, da celebração da deusa da fecundidade e protectora das colheitas.


A China e a Índia conheceram o gato pouco tempo depois do Egipto. Foi acolhido como um animal benéfico graças à sua perícia como caçador. A sua beleza fez com que fosse aceite como animal de companhia, especialmente entre as mulheres. Na China, o deus rústico Li-Shou tinha feições de gato e, na Índia, a deusa da fecundidade Saster era a equivalente de Bastet.


Os gatos, tão ciosamente guardados pelos egípcios, foram roubados pelos gregos durante as trocas comerciais e culturais realizadas em Luxor e Tebas e foram, seguidamente, introduzidos na Europa. De acordo com a lenda, a causa do desentendimento entre Roma e o Egipto terá sido o gato. Quando César ocupava as margens do Nilo, no ano 47 A.C., um romano que matara um gato foi lapidado pelos habitantes de Alexandria que se revoltaram contra a força ocupante. As hostilidades prosseguiram até à morte de Marco António e Cleópatra. A partir dessa altura, o gato foi proscrito no Egipto tornado romano. Lenda ou realidade, esta história demonstra o poder que era atribuído ao gato. Na Grécia, o equivalente de Bastet era a deusa Artemis, que criou o gato.


O mundo romano, tal como o descreve o Velho Plínio nas suas Histórias Naturais, aprendeu a apreciar o gato, não só devido às suas qualidades de caçador, como também em virtude da sua beleza (facto confirmado por inúmeros frescos e mosaicos) e pelo seu espírito independente. Passou a encarnar a liberdade.


Os colonos romanos propagaram o culto de Bastet por toda a Europa (mesmo transposto ao de Diana), o que certamente constitui uma das bases da superstição ligada a este animal na Europa.


O gato foi introduzido por volta do século VI no Japão. Era costume cada templo possuir dois gatos para afastar os ratos dos manuscritos. De acordo com a lenda, o imperador Hidi.jo, um grande amante de gatos, ordenou que os gatos fossem lisonjeados a tal ponto que, quando foram necessários para defender os bichos-da-seda contra os ratos, para não os incomodarem, utilizou-se um subterfúgio que consistia em pintar gatos nas portas ou colocar estatuetas de bronze, de porcelana ou madeira como armadilhas. Obviamente, este estratagema acabou por se revelar pouco eficaz e, como tal, o gato passou a encarnar um demónio impotente, mau e egoísta.


Na Idade Média, os japoneses distinguiam os gatos amuletos pela sua pelagem "tartaruga" (branco, preto e fulvo) e os gatos malévolos pela sua cauda bifurcada e pela capacidade de se transformarem em bruxas. Contudo, os gatos conheceram de novo as suas horas de glória quando se tornou proibido aprisionar gatos adultos.


A adoração que os japoneses dedicaram ao gato, pelo contrário, não assumiu o aspecto de culto. Os adeptos do yoga apreciavam a sua posição durante o sono (deitado e enroscado), a qual era ideal para a regularização dos fluidos corporais vitais. Símbolo da pureza, o gato tornou-se o intermediário entre o Buda, único e perfeito, e os seus fiéis. Entretanto, durante a sua ascensão ao Nirvana, conta-se que Buda teria adormecido e, consequentemente, chegou atrasado à cerimónia, o que foi considerado muito desrespeitoso.


Os árabes do século VII viam o gato como uma alma pura, contrariamente ao cão, cujo espírito era considerado impuro. Adoraram o gato de ouro antes do Islão, e Maomé olhou favoravelmente para o animal. Com efeito, de acordo com a lenda, quando a gata Muezza adormeceu na manga do profeta, este preferiu cortar a roupa para não incomodar a sua companheira. A gata mostrou-se grata. Então, o amo passou três vezes a mão pelo seu dorso, conferindo-lhe a faculdade de cair sempre de pé e de ter sete vidas.


Quanto à introdução do gato na Europa, existem duas teorias.


A primeira refere-se aos legionários romanos de Júlio César que teriam introduzido os gatos na Grã-Bretanha através de uma tribo romana estabelecida na Holanda e que se denominava "Amigos dos Gatos".


A segunda, diz respeito à fuga do general egípcio Gosthelos para Portugal e que, obviamente, fugiu acompanhado pelos seus gatos. Seguidamente, os seus descendentes ter-se-iam tornado os reis da Escócia, país a partir do qual os gatos conquistaram o Reino Unido. Entretanto, quando os sacerdotes egípcios desembarcaram com os seus gatos fizeram com que estes passassem a ser apreciados por Francos e Celtas.


Na Gália, foi concedido pouco interesse ao gato durante os séculos IV e V. Era visto com mais simpatia no norte da Europa do que no sul. A Germânia apreciava este animal devido ao facto de a ter salvo dos ratos. Na Escandinávia, acompanhava a deusa da beleza e do amor, Freja, também conhecida por Freya noutros países nórdicos.


As hordas de bárbaros vindas da Ásia, com o advento da peste e do rato castanho, espalharam os gatos por toda a Europa. Foram vendidos a preço de ouro e beneficiaram de leis protectoras para poderem combater os roedores. Por exemplo: quem matasse o gato que guardava um celeiro deveria pagar uma multa em carne, lã, leite ou trigo equivalente à altura do cadáver da vítima erguida pela ponta da cauda e com a cabeça aflorando o solo. Mas este período favorável ao gato extinguiu-se com a chegada do cristianismo durante os séculos XI, XII e XIII, excepto durante as cruzadas que trouxeram de volta os ratos pretos. Os gatos, considerados animais orgulhosos, decaíram lentamente nas trevas. A Igreja atribuiu-lhe poderes estranhos e maléficos no intuito de destruir o mito e os diversos cultos pagãos associados a este animal. Não poderia fazer outra coisa senão opor-se a este felino, símbolo da feminilidade, da sensualidade e da sexualidade.


Centenas de milhares de gatos foram, assim, perseguidos, crucificados, esfolados vivos ou lançados às chamas, pois eram os companheiros das bruxas, as quais assistiam ao Sabbath disfarçadas de gatas negras e, como tal, deveriam ter o mesmo destino. A justiça apoiou o clero na luta contra a libertinagem em nome da elevação do espírito. Os juízes não hesitaram em implicar directamente os gatos nos seus processos contra a bruxaria. A Inquisição permitiu todo o tipo de violência contra estes animais, tais como práticas terríveis de lançar gatos vivos nas fogueiras de São João ou as feiras da Flandres, verdadeiras "perseguições ao gato". Na Bélgica, os gatos eram atirados do alto das torres das catedrais e na Alemanha obrigava-se os donos desses felinos a cortar-lhes as orelhas. A França não ficava atrás, sendo prática comum emparedar um gato vivo nas fundações de uma casa para a proteger contra o azar. Na Europa, os gatos foram exterminados a tal ponto que figuraram como um valor real nas especificações dos inventários, testamentos e sucessões.


Assim, na Idade Média os gatos foram considerados o símbolo do mal e de Satanás.


Mais uma vez, foi uma invasão de ratos, desta vez o rato cinzento (ou rato dos esgotos), que, em 1799, permitiu ao gato iniciar a sua reabilitação. Um decreto de Colbert ordenou que os navios da marinha real passassem a transportar dois gatos a bordo para combater os roedores.


O século da iluminação desmistificou tudo o que se referia à bruxaria.


Por volta de 1885, a era de Pasteur contribuiu igualmente para o estado de graça deste felino. Na posse da informação que as doenças eram transmitidas por seres infinitamente pequenos, os micróbios, desenvolveu-se uma fobia contra os animais, potenciais veículos de transmissão. Mas o gato, que passa horas entregue aos seus cuidados de higiene, simbolizou o asseio e, como tal, tornou-se o animal mais acessível. Iniciou-se, então, outra época de glória: escultores, filósofos, poetas e escritores concediam prestígio ao gato que era, muitas vezes, o seu único companheiro na solidão.


O gato podia ser, simultaneamente, o símbolo do bem e do mal. A arte ilustra os diversos períodos percorridos por este animal e testemunha a riqueza do olhar com que o Homem o encarava.

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